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ALERTA: Szegö afirma que os pacientes devem fazer terapia antes de se submeterem ao procedimento

O médico Thomas Szegö, 58 anos, nascido na Hungria e naturalizado brasileiro, gosta de estar na vanguarda da medicina. Ele é responsável pela realização da primeira cirurgia minimamente invasiva feita no Brasil para retirar a vesícula, por laparoscopia, em 1990. Mais tarde, adaptou o método que usa pequenas incisões, com pinças e microcâmeras, às operações indicadas para a perda de peso: as cirurgias bariátricas e metabólicas. Após deixar a presidência da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, que ocupou por dois anos, nesta entrevista Szegö revela os pontos fortes e os problemas dessa operação no País. “Somos líderes nesse tipo de cirurgia, mas infelizmente há serviços que precisam entrar nos eixos”, diz.

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“Existem critérios claros para submeter alguém à operação. O médico precisa saber avaliar cada paciente com cuidado”

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“Tive uma paciente que operou e o marido me disse que não consegue mais pagar as contas dela. Virou uma compradora compulsiva”

Istoé –Mais de 30 mil pessoas se submetem anualmente no Brasil às cirurgias para perda de peso. Porém, 10% desses indivíduos voltam a engordar. Por quê?

Thomas Szegö –

Na maior parte dos casos, são pacientes que não tiveram o acompanhamento correto antes e depois da cirurgia. Pode ser que a pessoa tenha faltado às consultas de avaliação ou foi operada em uma clínica que não trabalha com psicólogos, psiquiatras, nutricionistas e fisioterapeutas, como manda a lei brasileira. Outro fator que colabora para o resultado negativo é a operação ter sido mal indicada. E devemos considerar também que qualquer um ganha peso se desandar a comer amendoim, queijo e beber uísque. Isso também pode acontecer.

Istoé –É comum haver erros na indicação?

Thomas Szegö –

Apesar de existirem critérios claros para submeter alguém à operação, muitas cirurgias bariátricas são feitas sem necessidade. Se vai ao meu consultório uma menina de 20 anos que sempre foi magra, chegou recentemente aos 98 quilos porque comeu demais e não tem familiares obesos, não opero. Muito provavelmente emagreceria com exercícios e correção dos hábitos alimentares. Ela não é candidata à cirurgia, mas há quem aceite operá-la. Isso não deveria acontecer. Porém, ela seria candidata a uma das técnicas de cirurgia bariátrica se fosse gordinha desde a adolescência, se tivesse feito vários tratamentos e se os pais fossem obesos. Para ela, nessas condições, a operação traria benefícios. O médico precisa saber avaliar cada paciente com cuidado.

Istoé –Há médicos que pedem aos pacientes para engordar uns quatro ou cinco quilos para que atinjam o peso necessário para fazer a cirurgia?

Thomas Szegö –

Há doutores e pacientes que se valem de expedientes impressionantes para burlar as regras. Outro dia atendi um indivíduo que trouxe uma autorização do convênio para a cirurgia, mas quando o pesei vi que não tinha IMC (Índice de Massa Corporal) necessário e não preenchia os critérios mínimos estabelecidos. Ele também não tinha doenças associadas ao excesso de peso, como hipertensão ou diabetes. Estranhei que tivesse passado na perícia do plano de saúde e perguntei como isso aconteceu. Contou que, na hora de se pesar, colocou tornozeleiras por baixo da calça para aumentar o peso. Mandei-o embora porque achei que seria fácil para esse paciente me enganar também. Sugeri terapia para depois fazer uma nova avaliação.

Istoé –Essa pessoa encontrará quem faça a sua cirurgia?

Thomas Szegö –

Infelizmente. Mas os planos de saúde começam a se defender desse tipo de expediente. Agora, antes de autorizarem as cirurgias, estão pedindo aos pacientes para apresentar uma curva de peso do passado. É um documento no qual um clínico que atendeu o doente nos últimos cinco anos informa o histórico do peso.

Istoé –É possível aumentar a margem de sucesso de uma cirurgia bariátrica?

Thomas Szegö –

Para isso, precisamos nos basear nas estatísticas. O que sabemos é que essa cirurgia dá resultados muito bons para os obesos, aqueles com IMC acima de 40, que já fizeram tratamentos e estão em condições psicológicas de fazer a operação. Também sai ganhando quem está com IMC entre 35 e 40 e tem doenças associadas ou pioradas pela obesidade, como diabetes, refluxo gastroesofágico, problemas nas gorduras do sangue, lombalgias e apneia do sono. Como tratar a obesidade tem ação positiva sobre essas alterações, esperamos que o benefício seja maior do que o risco inerente a qualquer cirurgia.

Istoé – Quais são os critérios para as cirurgias em diabéticos tipo 2?

Thomas Szegö –

Se a pessoa é obesa e diabética, deve ser operada e certamente vai se beneficiar. Em 85% a 90% dos casos, antes de sair do hospital esses pacientes já não precisam mais de medicações como a insulina ou tomam muito menos remédios. Porém, existe uma grande discussão internacional, atualmente, se diabéticos tipo 2 não obesos, com IMC inferior a 35, devem ser operados. Estamos constatando que o organismo de obesos com diabetes tipo 2 reage de forma diferente da dos magros com a mesma doença. Por enquanto, consideramos que pessoas com sobrepeso ou magras e diabéticas tipo 2 não devem ser operadas.

Istoé –Quais são os métodos aprovados de operação bariátrica?

Thomas Szegö –

Há quatro técnicas regulamentadas no Brasil. A considerada mais segura é o Bypass gástrico, que divide o estômago. Outra é a banda gástrica. O terceiro tipo são as cirurgias que dividem o estômago e o intestino em dois longos tubos. A quarta consiste na retirada de uma parcela do estômago.

Istoé –Acredita que existe uma banalização das cirurgias bariátricas?

Thomas Szegö –

Não se pode dizer isso. Somos um país visto como referência internacional em avanços nesse tipo de operação e em número de cirurgias. Mas existem pessoas que se dedicam a burlar as regras no Brasil. Por isso, médico e paciente devem pensar muito bem para não fazerem asneira e optarem por uma cirurgia sem que ela seja realmente necessária. Ela deve ser a última opção para o paciente.

Istoé –O sr. faz quantas operações por ano?

Thomas Szegö –

Faço uma média de 20 a 25 pacientes por mês. Minha clínica é pequena, não atendo convênios e faço questão de operar pessoalmente o meu paciente. Ele contratou a mim, olhou para mim no consultório. Conheço outras clínicas em que as equipes de cirurgiões fazem 150 casos por mês.

Istoé –O sr. avalia o papel da compulsão alimentar na hora de decidir se o paciente deve ser operado?

Thomas Szegö –

Alguns gordos são compulsivos, outros não. A obesidade é uma doença definida como aumento de gordura corpórea. Mas não é verdade: ela é uma doença muito complexa. Trata-se do acúmulo de gordura corpórea, aumento da ansiedade, da compulsividade, imediatismo, certo grau de depressão. Há alterações culturais e emocionais. Gosto de dar o exemplo do gordo e do magro que saem para comprar um carro. O gordo volta de tarde com o carro, sem placa, sem documento e não tem problemas com isso. O magro foi a dez concessionárias e volta para casa com uma planilha para escolher o carro na semana seguinte. Quando pergunto ao obeso quando vamos operar, ele responde: ontem. A doença não está no estomago. Ela está no metabolismo, na cultura, na cabeça, no comportamento. Preciso tratar esse paciente observando essa abrangência.

Istoé –Como deve ser a avaliação antes da cirurgia?

Thomas Szegö –

O obeso precisa ir para a terapia antes da operação e ser avaliado pelo terapeuta para entender o papel da compulsão, se tem depressão ou tendência a se deprimir depois da cirurgia. No meu consultório, só opera quem passar por esse estágio.

Istoé –E como é a prática brasileira?

Thomas Szegö –

Tem gente que opera sem essas consultas com psicólogo, mas não deve. Isso está fora da lei e do padrão de segurança.

Istoé –Quanto tempo dura a terapia?

Thomas Szegö –

Duas ou três sessões antes e depois o quanto for preciso.

Istoé –Há pessoas que após a cirurgia passam a beber demais, comprar demais. Por que isso ocorre?

Thomas Szegö –

Tive vários casos de pessoas que passam a apresentar comportamentos exagerados. Dizem que quem opera vira alcoólatra, mas há pesquisas mostrando que isso não é verdade. A pessoa não vira alcoólatra. Ela já bebia, mas ninguém percebia. Agora que come pouco, chama a atenção a bebida.

Istoé –A pessoa transfere a fonte de prazer para outras coisas?

Thomas Szegö –

Isso não está claro. Pode ocorrer, mas não é a regra. Porém, muita coisa que estava sublimada aparece. Tive uma paciente que operou e o marido me disse que não consegue mais pagar as contas dela, virou uma compradora compulsiva. Mas ela já era assim, só que não saía de casa porque não conseguia andar. Agora pode e vai às compras. Houve também uma jovem que operei que depois competia com a amiga para ver quem ficava com mais rapazes. Seguiu fazendo terapia e hoje está equilibrada.

Istoé –Como o paciente verifica se está nas mãos de um bom cirurgião?

Thomas Szegö –

Primeiro, deve pegar referências do médico. Segundo, ir ao hospital em que ele opera para perguntar qual é a estatística desse médico. Ou pode ligar para o plano de saúde e pedir os resultados dele.

Istoé –Quais são as complicações mais frequentes no pós-operatório?

Thomas Szegö –

As alterações nutricionais estão entre elas. Dependendo da técnica escolhida, o paciente pode precisar fazer reposição de ferro, cálcio, zinco, por exemplo. Do ponto de vista cirúrgico, a complicação mais comum é o sangramento nos pontos onde o tecido é religado.

Istoé –Há pacientes que perdem cabelo?

Thomas Szegö –

É algo frequente do terceiro ao sexto mês após o procedimento. Mas não é uma queda, é uma troca. Por isso o paciente deve ser bem informado sobre tudo o que vai acontecer com ele antes e depois da operação. Por exemplo, que terá de fazer o acompanhamento médico a longo prazo. Não damos alta para o paciente. Peço que volte a cada sete dias, depois a cada mês, dois, três e depois semestralmente. Após o quinto ano, se ele está muito equilibrado, deixo uma consulta por ano.

Fonte: IstoÉ